sexta-feira, 11 de maio de 2012

A arte de escrever -- Arthur Schopenhauer

"A maior parte de todo o saber humano , em cada um dos seus gêneros , existe apenas no papel, nos livros, nessa memória de papel da humanidade. Apenas uma pequena parte está realmente viva, a cada momento dado, em algumas cabeças. Trata-se de uma consequência sobretudo da brevidade e da incerteza da vida, mas também da indolência e da busca de prazer por parte dos homens. Cada geração que passa rapidamente alcança, de todo o saber humano, somente aquilo de que ela precisa.

Em seguida desaparece. A maioria dos eruditos é muito superficial. Segue-se, cheia de esperanças, uma nova geração que não sabe nada e tem de aprender tudo desde o início, de novo ela apanha aquilo que consegue ou aquilo de que pode precisar em sua curta viagem, depois desaparece igualmente. Assim, que desgraça seria para o saber humano se não houvesse escrita e imprensa ! As bibliotecas são a única memória permanente e segura da espécie humana, cujos membros particulares só possuem uma memória muito limitada e imperfeita. É por isso que a maioria dos eruditos resiste tanto a deixar que seus conhecimentos sejam examinados, tendo o mesmo comportamento dos comerciantes em relação a seus registros de vendas.

O saber humano se espalha para todos os lados, a perder de vista, de modo que nenhum indivíduo pode saber sequer a milésima parte daquilo que é digno de ser sabido.
Sendo assim, as ciências adquiriram uma tal amplitude em suas dimensões, que alguém com a pretensão de realizar algum empreendimento científico deve se dedicar apenas a um campo muito específico, sem dar importância a todo o resto. Nesse caso, ele de fato se encontrará acima do vulgo em seu campo, no entanto será como qualquer pessoa em todos os outros. Além disso, torna-se cada vez mais comum hoje em dia o descuido com as línguas antigas, cujo aprendizado parcial de nada serve, contribuindo para a decadência geral da cultura humana. Com isso veremos eruditos que, fora de seu campo específico são verdadeiras bestas.

Em geral , um erudito tão exclusivo de uma área é análogo ao operário que, ao longo de sua vida, não faz nada além de mover determinada alavanca, ou gancho, ou manivela, em determinado instrumento ou máquina, de modo a conquistar um inacreditável virtuosismo nessa atividade. Também é possível comparar o especialista com um homem que mora em sua casa própria, mas nunca sai dela. Na casa, ele conhece tudo com exatidão, cada degrau, cada canto e cada viga, como,  por exemplo, o Quasímodo de Victor Hugo conhece a catedral de Notre-Dame, mas fora desse lugar tudo lhe é estranho e desconhecido.

Em contrapartida, a verdadeira formação para a humanidade exige universalidade e uma visão geral; portanto, para um erudito no sentido mais elevado, algo como um conhecimento enciclopédico da história. Mas quem quer se tornar um filósofo de verdade precisa reunir em sua cabeça as extremidades mais afastadas da vontade humana. Pois onde mais elas poderiam ser reunidas ?

Espíritos de primeira categoria nunca se tornarão especialistas eruditos. Para eles, como tais, a totalidade da existência é que se impõe como problema, e é sobre ela que cada um deles comunicará à humanidade novas soluções, de uma forma ou de outra. Pois só pode merecer o nome de gênio alguém que assume como o tema de suas realizações a totalidade, aquilo que é grandioso, as coisas essenciais gerais, e não alguém que dedica os esforços de sua vida a esclarecer qualquer relação específica de objetos entre si."

A arte de escrever - Arthur Schopenhauer (1788-1860)
págs. 29-31. Ed. L&PM Pocket.2010

Arthur Schopenhauer (Danzig, 22 de Fevereiro 1788 — Frankfurt, 21 de Setembro 1860) foi um filósofo alemão do século XIX.

Seu pensamento é caracterizado por não se encaixar em nenhum dos grandes sistemas de sua época. Sua obra principal é O mundo como vontade e representação (1819), embora o seu livro Parerga e Paralipomena (1851) seja o mais conhecido. Schopenhauer foi o filósofo que introduziu o budismo e o pensamento indiano na metafísica alemã. Ficou vulgarmente conhecido por seu pessimismo e entendia o budismo (e a essência da mensagem cristã, bem como o essencial da maior parte das culturas religiosas de todos os povos em todos os tempos) como uma confirmação dessa visão realista-pessimista. Schopenhauer também combateu fortemente a filosofia hegeliana e influenciou fortemente o pensamento de Eduard von Hartmann e Friedrich Nietzsche.

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